Review: “O Incrível Hulk” de Louis Leterrier, por Pedro Pacheco

Bruce Banner (Edward Norton) é um homem caçado. Ex-cientista militar e vítima de um acidente que lhe criou um alter-ego monstruoso, em que se transforma nos momentos de maior tensão emocional , a sua fuga leva-o a percorrer o mundo enquanto pesquisa uma forma de se curar. Mas o seu antigo superior e perseguidor, o Gen. Ross (Wiliam Hurt) não está disposto a abrir mão do que ele considera uma arma poderosa…

Em 2003, Ang Lee, ainda na ressaca do sucesso de “O Tigre e o Dragão“, foi encarregado de trazer ao grande écran a personagem da Marvel ComicsHulk“. Esta deveria ter sido mais uma película para dar continuidade ao grande sucesso crítico e comercial que outras adaptações de figuras desta editora americana haviam alcançado. Mas, pese algum êxito de bilheteira, o descalabro junto dos críticos e fãs foi unânime, e levou ao fim duma primeira fase na aventura cinematográfica da “Casa das Ideias”, apelido da Marvel nos E.U.A. .

A segunda fase teve ínicio com a criação da “Marvel Studios“, uma produtora própria, que permitisse um maior controlo do conteúdo dos filmes, evitando assim a desnaturação do seu “panteão” provocada pela interferência artística dos grandes estúdios, relegados agora para o papel de distribuidores do produto finalizado, sem qualquer outra influência no mesmo. “Homem de Ferro” foi assim o tiro de partida desta nova estratégia.

Agora, 5 anos depois, surge este “O Incrível Hulk” que faz tábua rasa do seu predecessor, abandonando toda a equipa técnica e artística anterior, e lançando os alicerces de uma nova continuidade que promete ser épica. As reinvenções de franchises não constituem propriamente uma novidade: “Batman” é disso exemplo. Mas, neste caso, o que mais sobressai é a brevidade com que este reboot foi encetado. Este facto deve-se ao total desgrado demonstrado pela Marvel em relação à visão de Ang Lee. Assim sendo, a decisão de recomeçar do zero não é surpreendente, mas será acertada?

De certa forma, sim, pois os defeitos da versão de 2003 excedem largamente as suas qualidades. O seu tom é excessivamente melodramático com pretensões de psicoterapia barata e sem grande originalidade, o ritmo é lento e monótono, e a forma como certas sequências foram concebidas (o confronto do gigante verde com os rídiculos cães Hulk, o insuportável monólogo do pai de Banner e a incompreensível luta final entre ambos) são notoriamente desadequadas ao material de origem e nada trazem de relevante ao mesmo, desvirtuando-o até (as inconsistências no tamanho do Hulk ou algumas das dispensáveis explicações pseudo-científicas para a sua existência). Salva-se algum do trabalho de caracterização das personagens e a única cena de acção de monta: a perseguição do Hulk pelo exército no deserto.

Esta nova versão tenta compensar estes defeitos pelo excesso: o ritmo é infernal, com cenas de acção bem gizadas a sucederem-se de forma contínua, numa duração abaixo das duas horas. O argumento, fiel às origens do gigantes verde, desdobra-se em alusões aos comic-books e à série televisiva dos anos 70 (que, verdade seja dita, era muito fraquinha), indo buscar a esta última a sua espinha dorsal: a vida em fuga de Banner, ao bom estilo de “O Fugitivo“, um leitmotiv que imprime grande dinamismo à narrativa. Mas esta força revela-se também uma fraqueza, na medida em que, por falta de tempo para o seu devido desenvolvimento dramático, as personagens revelam pouca ou nenhuma profundeza psicológica, sendo a sua caracterização definida por arquétipos, ou pelo que já se sabia delas dos media anteriores.

O elenco, bem recheado de actores talentosos, não assina (nem tal o argumento exige) grandes trabalhos de composição. Edward Norton confirma o seu talento compondo um Bruce Banner credível e que suscita grande empatia com o expectador. Por seu turno, Liv Tyler é pouco expressiva e sem grande capacidade de se impôr perante os seus colegas de cena. William Hurt e Tim Roth dão mostras de profissionalismo em personagens com pouco ou nada para alcançar.

Louis Leterrier não tem a habilidade nem o talento de Lee, mas compensa com um certo sentido prático da realização, mais terra-a-terra na composição dos enquadramentos, conseguindo assim criar uma atmosfera mais realista e concreta, afastando-se das ambiciosas e, em última instância, contra-producentes experiências visuais que caracterizaram o trabalho do seu antecessor. Perde-se em lirismo, mas ganha-se em eficiência e energia, duas caratcterísticas indispensáveis num bom filme de acção. O único bemol será mesmo o combate final com a Abominação, que se revela um pouco anti-climático pela sua estruturação e desenvolvimento.

Quanto ao Hulk em si, a concepção e execução dos efeitos especiais que lhe dão vida constituem uma grande melhoria em relação ao caricatural resultado anterior: a figura está melhor definida anatomicamente, sem variações excessivas de proporção em relação ao que rodeia, e é muito mais impressionante. Mas ainda está um pouco longe de ser tão convicente na integração com as imagens reais como seria de desejar, quiça por falta de tempo para refinar e aperfeiçoar as IGC, dado o apertado prazo de produção desta película.

O Incrível Hulk” cumpre bem a sua função como blockbuster de Verão aguerrido e emocionante, mas é demasiadamente superficial para ser mais do que isso. O grande erro de Ang Lee foi querer dar uma profundidade excessiva a um material mais adequado a outros voos, e o de Louis Leterrier foi o de abdicar completamente da mesma. O resultado ideal para um bom filme estaria no meio-caminho entre as duas versões: criar um envolvimento emocional adequado e a justificar e envolver a acção, sem descurar essas duas vertentes, um equilíbrio que nenhum dos dois soube alcançar. Resta-nos a excitante perspectiva da continuidade de um universo Marvel cinematográfico unificado: a aparição final de Tony Stark (Robert Downey Jr.) em conversa com o Gen. Ross é mais uma pista lançada em direcção ao filme dos Vingadores previsto para 2010.

Título Original:The Incredible Hulk

Realização: Louis Leterrier

Elenco: Edward Norton, Liv Tyler, William Hurt e Tim Roth.

Duração: 1h. e 55m.

Classificação:

5 Responses to Review: “O Incrível Hulk” de Louis Leterrier, por Pedro Pacheco

  1. Não pretendo argumentar sobre gostos relativamente ao filme de 2003. Até porque ainda não vi o de 2008 (espero pelo DVD com os mais de 70m de filme que não pasaram no cinema e que inclui a cena do capitão América).
    Mas aprecio muito o filme de Ang Lee pois é melhor do que parece… pelo menos tem sumo para se extrair do filme, facto que não se encontra nos filmes adaptados da BD dos dias de hoje. O filme de Ang Lee era a instalação do Hulk no panorama mas pecou por não ter um final com muita acção para ser memorável. Acho que só o fim é o pecado do filme…

    Quanto ás criticas das inconsistências do tamanho do Hulk, vê-se bem que o caro Pedro Pacheco, não sabe totalmente o que é o Hulk.
    O Hulk aumenta com a fúria, quanto mais tiver e mais furioso vier a ficar maior pode ele ser (tem limites de altura máxima é certo). Com o aumento de tamanho mais força ainda! O filme de Ang Lee deu-nos esse pormenor várias vezes durante o filme.

    Recordo-me de duas situações do filme de 2003:
    1- Quando o Hulk é preso num corredor da base no deserto, com uma massa espumosa, ele na situação de aflição por estar preso fica mais ainda mais furioso e aumentou de tamanho. O resultado foi que rebentou com as massa que se tinha solidificado.
    2- A cena seguinte do tanque no deserto mostra também que ele a inicio não tinha força para pegar no tanque mas ao ser atacado, ficou enfurecido, aumentou ligeiramente e depois até consegue pegar no topo do tanque com uma mão.

    E já agora uma cena do tempo em que lia BD’s…
    A mini-saga Secret Wars, que se passava algures no universo, onde se juntaram por vontade de uma entidade tipo divindade, os melhores heróis contra os piores vilões e de onde surgiu o simbionte alienígena que tornou o Homem Aranha com aspecto preto (e que regressou á Terra com ele e não como é visto no HA3), tem um facto destes com o Hulk sobre a relação de força-e-fúria vs tamanho. A determinado momento (salvo erro ao 4º capítulo) os vilões levitaram uma montanha e fizeram-na cair sobre os heróis.
    Quem aguentou a montanha alguns metros para não ficarem esmagados foi… o Hulk mas a resistência dele contra as imensas toneladas da montanha sobre ele estava a chegar ao fim e iam ficar soterrados e esmagados na mesma. O Hulk pede a Reed Richards (Quarteto Fantástico) para arranjar uma solução pois ele já não aguentava. Richards respondeu algo como não querer saber dos problemas dele e para ele se calar que existiam problemas maior. O Hulk fica tão furioso que ganha vontade de bater nele mas ao enfurecer-se ergue a montanha… Nunca se viu tanta força no Hulk como nessa cena. Estão a imaginar uma montanha, não estão?

    Cumprimentos,
    A. Paulo Ferreira
    http://armpauloferreira.blogspot.com/search?q=Hulk

  2. Pedro Pacheco diz:

    Caro Paulo,

    Já leio BD em geral, e comics Marvel em particular desde os 12/13 anos, e tenho 37, portanto conheço bem o Hulk. Nunca o Hulk variou de tamanho nos comics como o fazia no filme de Ang Lee e como afirma o Paulo (e o exemplo que deu das Guerras Secretas confirma o que eu disse), e foi isso a única coisa que eu afirmei na crítica. Quanto ao aumento de força proporcional à fúria, esse é um facto assente durante alguns períodos da continuidade do gigante verde que, como certamente saberá, sofreu bastantes convulsões (Hulk verde, cinza e actaulmente vermelho; Hulk “estúpido”, Hulk inteligente, etc.), mas que eu nunca disse na crítica ter sido desrespeitado na obra de Ang Lee. E é claro que nunca estes dois factores (aumento de força e aumento de tamanho) estiveram associados nos comics.

    Cumprimentos,
    P.Pacheco

  3. […] Para a terceira posição, uma estreia como entrada directa. O Incrível Hulk (mais uma adaptação da Marvel Comics) conseguiu 25.319 espectadores na sua primeira semana de exibição. O filme consegue, neste momento, 65% de críticas positivas no sítio RottenTomatoes.com. Pode ler a crítica que o Pedro Pacheco fez deste filme, clicando AQUI. […]

  4. pqmz diz:

    Numa primeira parte, o filme para mim mostrou-se razoável, explorando o clima de fuga que Bruce Banner parece viver, mostrando como é o seu dia-a-dia em locais que lhe são estranhos. Mas existe logo aí algo que me intriga. Se este filme “esquece” o primeiro, porque é a origem despachada à pressa e porque começa o filme quase exactamente da mesma maneira que acaba o primeiro? Talvez numa maior preocupação com a acção, que vendo bem, é o género de Leterrier.
    Afirmo isto porque o realizador peca claramente ao tentar introduzir certas “subtilezas” dramáticas/românticas, como a cena em que Betty tira uma foto a Bruce ou mesmo o facto de Betty ter um novo namorado, algo que era dispensável. Por isso concordo com a afirmação de que Leterrier abdica de qualquer emoção.
    Devo dizer então que, se Ang Lee exagerou no dramatismo (opinião geral não partilhada por mim), então Louis Leterrier exagerou na acção. Apenas concordo num filme compreendido entre ambos numa questão de maior respeito pela personagem da BD, porque, para mim, o filme de Lee era bom, pois (e usando palavras do próprio realizador sobre o seu filme) “Se o público vai ao cinema à espera de ver um filme sobre um homem verde e as suas desventuras, vai ter uma surpresa”, que mostrava que o filme de Lee era diferente logo à partida do que se estaria à espera.
    Penso que este filme serve mais como uma apresentação da personagem que irá aparecer no filme sobre os Avengers.
    E tal como alguém nosso conhecido diria “ ’Nuff said!”

    P.S.: Senti um pouco a falta da ILM 😛

  5. pqmz diz:

    E não sei se notaram na subtileza, mas, quando o cérebro do Dr. Sterns/Mr. Blue começa a aumentar pela gota de sangue que cai sobre esta (durante a transformação do Abominável), esse é um indício de que ele se irá transformar no Líder numa (bastante provável) sequela. Nunca me teria lembrado desse “dois em um”: Líder e Abominável de uma só vez 🙂

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