Review: “À Prova de Morte” de Quentin Tarantino, por Pedro Pacheco

“Stuntman” Mike McKay (Kurt Russell), um duplo de cinema e televisão, gosta de comer travessas de nachos em bares e de provocar colisões automóveis mortais que envolvam grupos de jovens mulheres, usando para esse efeito o seu carro artilhado e blindado “à prova de morte”, um termo que designa este tipo de veículos preparados para efectuar acrobacias cinematográficas. Mas nem todas as mulheres com que se cruzará serão suas vítimas…

 

Como é do conhecimento geral, a película em análise fazia originalmente parte do projecto “Grindhouse“, imaginado pelos realizadores Quentin Tarantino e Robert Rodriguez. Ambos são fãs do cinema de série B, e de um subgénero em particular, os exploitation movies, filmes de baixo orçamento com temas de sexo e violência, que eram exibidos nos anos 60 e 70 nos E.U.A. em sessões duplas nas salas conhecidas por grindhouse theaters, como as da Rua 42 em Nova Iorque. Existe também alguma tradição destas sessões duplas em França, que ocorriam com frequência nos cinemas de quartier parisienses.

Como foi originalmente concebido, “Grindhouse” era composto por duas longas metragens: “Planet Terror“, realizada e escrita por Rodriguez e “Death Proof“, realizada e escrita por Tarantino, com cerca de hora e meia de duração cada, sendo exibidos no meio destes filmes uma série de falsos trailers realizados por Rob Zombie, Eli Roth e Edgar Wright, estrutura esta que replica as sessões duplas acima referidas.

Após o fracasso comercial no mercado americano, a produtora Miramax /Dimension Films resolveu separar os dois trabalhos e exibi-los independentemente na Europa, em versões mais longas.

No caso de “À Prova de Morte“, foram acrescentadas duas cenas: um lapdance feito pela personagem da actriz Vanessa Ferlito a McKay e um diálogo numa loja de convieniência na segunda parte do filme, além de mais alguns planos soltos que elevaram a duração do filme para pouco menos de duas horas.

Quanto aos falsos trailers, foram retirados das películas, e se marcarão presença num futuro DVD, o tempo o dirá. Para já, e para quem os queira ver, é só procurar no You Tube.

Um aspecto nefasto desta separação é o de ter de pagar dois bilhetes para ver o que os americanos viram por um, e também perdemos os falsos trailers no caminho. Ainda por cima, “À prova de morte” é um filme com poucos motivos de interesse.

Na perspectiva de uma homenagem a um género que, acima de tudo, se distingue pela energia, Tarantino propõe-nos paradoxalmente um filme letárgico, onde longuíssimos e insuportáveis diálogos entediam o mais paciente dos espectadores. A inspiração que transpira normalmente da escrita deste conhecido realizador abandonou-o desta vez, ficando conversas totalmente desprovidas de interesse, e que nada alcançam, nem em progressão da narrativa, nem em caracterização das personagens femininas, que, apesar do tempo que lhes é concedido, nunca ultrapassam o seu estatuto de esterótipos rácicos e de personalidade fútil que não geram a menor simpatia junto do espectador.

Poder-se-á argumentar que esse desenvolvimento seria descabido no que pretende ser uma história simples, mas nunca antes, na obra de Tarantino, isso significou um tão completo desastre no tratamento das personagens.

A única excepção é a figura de “Stuntman” Mike, que tem as melhores linhas, e uma enorme interpretação de Kurt Russell, pleno de magnetismo e carisma, e infelizmente desperdiçado na segunda parte do filme, onde pouco aparece, e é sujeito a um final que, embora homenageie a obra de Russ Meyer, é triste e inglório para uma personagem muito mais interessante do que as suas “carrascas”.

Nem a nível estético o filme é coerente. Iniciando-se com os cortes e riscos na imagem, falta de cenas, e outras imperfeições que afectavam os filmes exibidos nos grindhouse theaters, e que eram provocados pelas numerosas exibições e incúria dos projeccionistas, uma referência visual original e curiosa proposta por Richard Linklater aos dois realizadores e que permitia uma identificação imediata ao espírito grindhouse, Tarantino inexplicávelmente abandona-a na segunda parte do filme, propondo uma imagem totalmente limpa, desvirtuando e descaraterizando assim a homenagem pretendida. O estilo técnico de mise-en-scéne é clássico e eficaz, mas abusa um pouco nos constantes planos que focam os pés das actrizes, o que encontra explicação no facto do realizador ser um foot fetichist. Também o entreacto, passado num hospital, é inútil e despropositado, sem qualquer influência na história geral, e servindo somente para referir uma personagem já presente em “Kill Bill Vol.1” e “Aberto de Madrugada“, o ranger Earl McGraw, interpretado por Michael Parks.

Os dois melhores momentos são o acidente na primeira parte, e a perseguição na segunda, mas só o primeiro é verdadeiramente original, sendo que o impacto do confronto final entre os dois Dodgers é atenuado pela falta de implicação emocional provocada pelos motivos referidos acima, já para não referir o total abandono de um dos conceitos principais do filme, o carro “à prova de morte”.

Para além de Russell, o restante elenco limita-se a dar vida a papéis caricaturais, embora o faça competentemente, com a excepção de Zöe Bell, que representa mal, mas que não é, de resto, actriz, e sim dupla de profissão.

Estamos, pois, perante o pior filme de Tarantino e a antítese do que uma série B deveria ser. Esperemos por “Planet Terror“, que estreia a 27 de Setembro, para avaliar a experiência “GrindHouse” no seu todo, mas, para já, a separação do projecto e a película agora proposta nada de bom trouxeram. Entretanto, vejam ou revejam “Jackie Brown” ou “Pulp Fiction“, duas homenagens realmente conseguidas e emocionalmente envolventes de Tarantino ao exploitation cinema.

Título Original: Death Proof

Realizador: Quentin Tarantino

Elenco: Kurt Russell, Sydney Poitier, Rosario Dawson e Mary Elisabeth Winstead.

Duração: 1h. e 50m.

 

5 Responses to Review: “À Prova de Morte” de Quentin Tarantino, por Pedro Pacheco

  1. rafael diz:

    bem, as criticas a esse filme estao muito mistas; ha quem diz q os dialogos n estao tao bons, e ha quem diga q estao otimos; ha quem se entedia e ha quem se divirta muito…eu acho q tarantino entende desse genero como ningume e qualquer aspecto desse filme soh pode ser enxergado atraves da perspectiva de q visava copiar ateh mesmo as piores caracteristicas daqueles filmes (piores caso vc n goste, pois eu gosto) acho q a segunda parte do filme estah “limpa” como vc diz, pq esses filmes as vezes eram apresnetados com rolos q eram conseguidos de diferentes fontes, podendo um estar envelhecido e arranhado enquanto o outro poderia estar bem cuidado; jah a superficialidade das personagens…bem, nunca vi nenhum personagem de tarantino q fosse realmente profundo, mas aqui nesse caso ele talvez tenha buscado representa-las como elas seriam representadas nos filmes daquele genero dos anos 70

  2. […] AQUI os horários, e pode ler também as reviews do Pacheco e do […]

  3. […] o projecto “Grindhouse“, que já foi, de resto, suficientemente explanado neste blog. Irei somente referir que um dos trailers falsos ,”Machete“, surge no início do filme […]

  4. […] actriz Sydney Tamiia Poitier (À Prova de Morte) foi ontem anunciada como a protagonista feminina do telefilme de duas horas que a NBC exibirá no […]

  5. Fernanda diz:

    Discordo. Achei o filme sensacional e divertidíssimo.

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